terça-feira, 9 de abril de 2013

Música popular de estupro


O que Henrique Costa, cantor sertanejo de Nobres (MT), tem em comum com Rafael Castro, natural de Lençóis Paulistas (SP) e uma das revelações da nova música independente paulistana? Músicas, digamos assim, polêmicas. Uma de cada, na verdade (o assunto aqui, portanto, não são os artistas e sim essas músicas e o que elas representam). Vamos às provas...
PROVA 1 - “A noite tudo pode acontecer / Traz a tequila pra ela enlouquecer / Um black, um red, um blue e fica no grau / Se bebe tudo elas liberam geral” (“Então se Joga”, Henrique Costa). Adaptação livre de “Psycho Killer” do Talking Heads, a música “Então se Joga” ficou mais conhecida em fevereiro deste ano após o lançamento de seu clipe. Mas, curiosamente, boa parte das críticas negativas acusou o jovem de 18 anos de estragar o clássico do Talking Heads (Como se uma música tomasse lugar da outra, baita bobagem).
PROVA 2 - “Se você bobear eu vou te encher / de birinight / até você me achar jóia e a gente sair daqui / (...) Depois eu tiro sua roupa, / te amo sem você ver. / Você é tão quente quietinha, / me faz derreter...” (“Vou te Encher de Birinight”, Rafael Castro). Essa música de Rafael não é de agora, mas acabou voltando aos holofotes após um show que fez para a Calourada da USP deste ano, o que motivou uma estranha nota do Diretório Central dos Estudantes (a tal “Moção de repúdio às músicas opressoras de Rafael Castro” foi divulgada mais de um mês após o show).
Nos dois casos, a ideia central é bastante clara: embebedar garotas para conseguir sexo. Em entrevista ao site do jornal O GLOBO, Henrique Costa pediu “desculpas se alguém entendeu errado, mas eu quis mostrar alegria e festa, só isso”. Já Rafael Castro publicou em sua página no Facebook a sua própria (e longa) interpretação da letra, na qual enumera “repressão sexual, julgamento de valores, depressão, baixa auto-estima e alcoolismo se digladiando numa aproximação entre um casal que deveria ser muito mais simples que isso. Nesse caso há uma crítica social implícita e é ela quem vai conduzir nossa tragédia”.
E é disso mesmo que estamos falando, da tragédia que é a violência (física, sexual, psicológica, etc) contra a mulher no Brasil. Não adianta falar que “a música estimula apenas a diversão” ou que é uma “crítica social” quando isso não está claro na letra. A jornalista Kátia Abreu foi justamente nesse nó interpretativo em seu texto “Amigos, amigos; cretinices à parte”: “O argumento mais comum é o de uma suposta ironia na canção [de Rafael Castro]. Ora, se a intenção de uma obra não é compreendida pelo público há de se pensar que o problema está no emissor e não nos receptores da mensagem. Alegar ‘não entenderam a piada’ é se igualar ao discurso de caras como Rafinha Bastos e Danilo Gentili, quase unanimemente criticados por aí”.
Meus caros, a equação é simples. Se vocês deixaram brecha para interpretarem suas músicas como “apologia ao estupro” é porque algo fizeram errado (em tempo, “Então se Joga” é do mineiro Gui Bittencourt, Henrique Costa é apenas o intérprete). E não é possível deixar brechas quando o assunto é estupro (aqui ou em qualquer outro lugar). Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2010), foram registrados – repito, registrados, o que significa que o número é maior –15704 casos de estupro em 2008. O número saltou, em 2009, para 22477. Isso sem contar tentativa de estupro e atentado violento ao pudor. É coisa séria, nada pop. Então, fica a dica de Alex Castro no indispensável “Feminismo para homens, um curso rápido”: “Para um homem, simplesmente ouvir as mulheres, sem interpelar grosseiramente nem minimizar as agressões sofridas, já é grande parte do processo”.

Por  | Mexidão YAHOO